Hoje o trabalho, lá no
escritório, correu bem. Escrevi um texto em resposta a uma reclamação que me
deixou extenuada, mas que no fim me rendeu o elogio da diretora, ‘Muito bem
Manuela. Está redigido de forma impecável.’
Desliguei o computador, vesti
o casaco e peguei na mala. Passei pela sala do micro-ondas onde almoço todos os
dias com as minhas colegas e apanhei a lancheira onde levei a refeição (estavam
ótimas as favas, António).
Ao sair para a rua fui saudada
por uma aragem morna que me redobrou o contento da sexta-feira e
pensei ‘Se o tempo estiver assim amanhã podemos ir dar um mergulho à praia. Não
temos os miúdos este fim de semana e o António adora praia.’
Dirigi-me à estação dos
comboios e (que sorte) não espero mais que dois minutos. Assim chego a tempo de
ir ao ginásio com a minha amiga Mafalda. Pomos a conversa em dia e sempre
lavamos a vista com aquele instrutor giro que nos dá as aulas de Core.
Já no comboio distraio-me a
reparar nos outros viajantes, cheios de personalidade. Auriculares pendurados
nos ouvidos e os seus telefones móveis, acessórios obrigatórios para quem viaja
de comboio e não quer ser olhado como um estranho. Alegra-me sentir o nível de
auto confiança, profissional e pessoal, das passageiras que conversam mesmo
atrás de mim, ‘E eu tive que dizer a um engenheiro, para deixar de continuar a
enviar mais “é-mails”, pois não adiantava nada.’, dizia a mais faladora,
‘Porque se há coisa que eu não sou é estúpida.’. Sempre me intrigou a razão
deste tipo de observações à própria pessoa.
Ao chegar a casa, regressada
do ginásio, sinto frio. Reparo que deixaste a janela da sala aberta quando já
esperava que tivesses acendido a lareira para acompanhar o nosso jantar de boas
vindas a estes dois dias de descanso. Só nós dois, a namorarmos um pouco.
Julgo ouvir-te no duche, mas
antes passo pela cozinha e retiro da lancheira a caixa com o resto da quiche do
almoço que não terminei (já me saíram melhores estas tartes). Guardei-a no
frigorífico e pus a caixa para lavar.
Ao chegar ao nosso quarto
reparo que o barulho da água a correr vem do andar de cima e percebo que
afinal ainda não chegaste. Tento lembrar-me se tinhas avisado de reunião tardia
ou algum jantar da empresa.
Vou preparando os nossos
petiscos. Aqueço a sopa, ponho a mesa e escolho uma garrafa dum daqueles tintos
que sempre gostámos.
E sento-me a pensar em nós.
Como nos conhecemos, o dia do nosso casamento. Por vezes, quando os nossos
filhos conseguem vagar para vir cá almoçar connosco, erguemos o copo e
fazemos-te um brinde, como sempre nos habituaste e fizeste ao retrato da tua mãe.
E contamos anedotas que nos ensinaste para que possamos rir contigo.
O tempo passa e tu não chegas.
Aguardo um telefonema teu que não toca. Agora me lembro que hoje não me
respondeste à mensagem que te envio desde sempre à hora do almoço.
Abro a garrafa escolhida e
bebo um pouco do vinho que sempre ajuda a desfazer este nó que sinto na
garganta.
António, se não te importas,
vou continuar a por dois pratos na mesa. É que sabes, custa-me estar para aqui
sozinha. E ainda não consigo chorar. Não consigo porque ainda não me habituei à
ideia de teres morrido sem esperares por mim.
olha eu chorei so de ler e pensar que um dia isso vai acontecer.. dia esse espero que seja daqui a muitos muitos muitos anos... não sei como não se consegue chorar!!! nem como se consegue falar de morte quando nem um cabelo branco se tem!!!
ResponderEliminarGostei muito, e as favas de certeza que estavam óptimas :)
ResponderEliminarOlha.. Eu lá deixei cair umas lagrimas. Que vergonha.
ResponderEliminarE os "amaricanos" que estão à minha frente aqui no lounge do aeroporto, também parecem emocionados. Mas deve ser porque não encontram um Mcdonald para um "pequeno" snack.
O "brinde" é um "gatilho de lágrimas" perfeito. Lágrimas de amor incondicional e eterno.
Miguel, que escrita tão real.Senti isso quando a minha mãe e a minha irmãfaleceram.Nso sei como não se pode chorar.Só de pensar que ainda vou chorar tanto, até foi.Abraço
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